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Conversa com Lourdes Lopez
Puntismos diz: Oi, Lourdes. Muito obrigado por falar com Puntismos hoje. É realmente emocionante ter uma artista com a sua rica experiência para falar conosco.

Lourdes Lopez diz: O prazer é todo meu. Obrigada!

Puntismos diz: Antes de falarmos sobre a excitante jornada que você iniciou com o Christopher Wheeldon e a Morphoses, voltemos algumas páginas.

Lourdes Lopez diz: Ok.

Puntismos diz: Você nasceu em Havana e sua família imigrou para Miami? Quantos anos você tinha na época? Você já tinha idade suficiente para formar uma memória da sua vida em Cuba? Sua família estava envolvida com a arte/dança em Cuba?

Lourdes Lopez diz: Meu pai era capitão do exército de Batista. Assim, basicamente, tivemos de escapar em 1959. Ele se foi primeiro e nós fomos em seguida. Eu tinha um ano de idade. Infelizmente, não me lembro de nada. Mas minha família fez questão de me criar na língua nativa, que eu falo fluentemente, escrevo e todas as tradições.

Puntismos diz: Muito interessante. E eu sei que você tentou manter uma relação com suas raízes cubanas. Depois que você deixou o New York City Ballet, você criou o Cuban Artists Fund (Fundo para Artistas Cubanos)? Conte-nos sobre o seu trabalho no CAF. Você ainda está envolvida nisso?

Lourdes Lopez diz: Sim. Eu sou uma das co-fundadoras. Depois de me aposentar do New York City Ballet, eu trabalhei como repórter cultural para a WNBC. Eles me mandaram para Cuba para cobrir as artes durante a visita do Papa. Eu conheci muitos artistas, incluindo dançarinos, músicos, pintores, escultores, etc. Me emocionei com tanto talento e visão ali e com os poucos recursos que esses artistas têm para trabalhar.

Quando voltei à Nova York, conversei com outro amigo cubano, Ben Rodriguez Cubenas, sobre a minha experiência e nós decidimos fazer alguma coisa. Criamos a CAF. Trata-se de uma organização que ajuda artistas americanos de origem cubana, bem como artistas cubanos moradores da ilha, com materiais, recursos, informação e tal.

Tem sido muito gratificante e tenho aprendido muito sobre organizações sem fins lucrativos. Ajudando os artistas cubanos, um pouco é muito.

Puntismos diz: Certamente e isso deve ser muito enriquecedor. Há tantos artistas talentosos que não têm acesso a recursos fundamentais para perseguir sua arte.

Sua família se mudou de Miami para Nova York, onde você entrou para a School of American Ballet, fundada pelo legendário George Balanchine nos anos 30?

Lourdes Lopez diz: Não exatamente. Minha família não se mudou comigo. Eu me mudei para Nova York com minha irmã. Eu tinha 14 anos e, ela, 19. Eu tinha bolsa integral da School of American Ballet. Era uma oportunidade que meus pais acharam que eu não poderia perder. Então, eles me apoiaram incrivelmente.

Você consegue imaginar pais cubanos deixando suas filhas de 14 e 19 anos se mudarem sozinhas para Nova York? Eu fui convidada a fazer parte da companhia com 15 anos e meio.

Teri entrou para a New York University e, lá, ela se formou. Eu fui para a escola de crianças profissionais.

Puntismos diz: Certo. Isso é incrível porque eu não acho que há muitas bailarinas de 15 anos se apresentando com o NYBC hoje em dia. Conte-nos como o legendário coreógrafo George Balanchine descobriu você.

Lourdes Lopez diz: Eu não sei se esse é o termo correto. Quando eu tinha 11 anos, eu ganhei uma bolsa de estudos para estudar na School of American Ballet todo verão. Eu passava cinco semanas em Nova York e o resto do ano em Miami.

Aos 14 anos, eles me pediram para ficar em Nova York e estudar em tempo integral, o que eu fiz. Meus pais encontraram um apartamento para mim e para a minha irmã, que foi pago pela escola. Durante o ano, o Sr. Balanchine vinha e assistia às aulas. E ele me notou. Daí, ele me deu o papel principal em uma das performances anuais da escola.

Eu me apresentei naquele ano e no ano seguinte, até que ele me convidou para entrar para a companhia como aprendiz. Ele me disse que ele somente me aceitaria se eu terminasse o colégio. Ele acabou me aceitando de qualquer forma, mas eu me formei anos mais tarde e ele foi à cerimônia de graduação!

Puntismos diz: Balanchine é considerado o pai do balé moderno americano e você foi bailarina principal do NYCB por muitos anos. Conte-nos como era trabalhar com esse giagante da coreografia, pessoal e profissionalmente.

Lourdes Lopez diz: Nunca houve e nunca haverá alguém como ele. Ele era um gênio e um dos homens mais bondosos que eu já conheci. O Sr. B (como ele gostava de ser chamado) era gentil, compreensível, bondoso, engraçado e parecia que nada jamais o aborrecia.

Ele conhecia seus dançarinos melhor do que você conhece a si mesmo. Ele sabia quando empurrar e soltar. Ele dava muito apoio. Eu me lembro de uma performance da qual eu participei em cima da hora, fazendo o papel principal. Era o balé Stars and Stripes. O papel era muito difícil. Eu tive de aprendê-lo em cima da hora porque uma das bailarinas estava doente. A apresentação foi horrível!

Minha participação foi razoável, mas não tinha nenhuma personalidade e eu estava muito assustada. Bem, eu pensei que ele iria ficar muito bravo, mas não. Ele veio e disse: “Ótimo, querida. Mas da próxima vez, seu chapéu para o final deve ficar um pouco mais na frente”.

Em outras palavras, ele sabia que eu sabia que tinha ido mal. Ele não precisa esfregar na minha cara. Mas ele quis que eu soubesse que não importava. Para ele, não se tratava do que eu tinha feito naquela noite, ou como você foi bem em uma noite ou na anterior, mas sim do processo, um processo artístico, crescimento e desenvolvimento. Isso é que era importante.

Puntismos diz: Obrigado por compartilhar essa memória. É muito interessante saber sobre as interações pessoais entre coreógrafo e dançarino, já que, frequentemente, há uma muralha entre a audiência e os bailarinos.

Você também trabalhou com Jerome Robbins e se apresentou nas celebradas Firebird, As Quatro Estações, etc. Como era dançar para Robbins e qual a diferença de trabalhar com ele e com Balanchine?

Lourdes Lopez diz: Robbins era uma criatura diferente. O que Balanchine tirava de seus dançarinos ao ser gentil, Robbins tirava não sendo tão doce. Jerry sempre foi muito legal comingo e me tratava com muito respeito, não sei muito bem porquê. Mas outros não tiveram tanta sorte. Jerry era muito exigente e queria que tudo fosse feito conforme suas instruções. Já Balanchine estava mais interessado no que o dançarino faria sozinho com um pouco de direcionamento.

Entretanto, Jerry forçava você a ir fundo na alma e a descobrir o que você precisava para o papel. Ele exigia que você pensasse sobre isso e que, até mesmo, se tornasse isso. Ele nos fazia criar estórias em nossas cabeças para os personagens que interepretávamos. Ele queria que fosse real.

Puntismos diz: Você dançou em tantos espetáculos: O Quebra-Nozes, Serenata, Apollo, Agon, etc. É injusto perguntar qual foi o favorito. Mas deixe-me perguntar qual deles foi mais difícil de apresentar e qual você sonha em fazer?

Lourdes Lopez diz: Não sei como lhe responder, já que todos os espetáculos tiveram os seus próprios desafios. Alguns foram maiores. No que diz respeito ao personagen, estilo ou técnica. Já outros foram menores, relacionados a circunstâncias, quando, onde, em qual idade e com quem eu estava dançando.

Eu acho que cada papel sempre tem um momento que assusta um dançarino por algum motivo. Se esse não é o caso, então ele ficou confortável demais no papel e isso nem sempre é bom. É preciso haver um pouco de tensão para que a performance seja diferente a cada momento.

Já sobre sonhos, eu realmente não danço nos meus sonhos... Acredite ou não, pelo menos não em papéis específicos.

Puntismos diz: Eu acho que você tem sorte. Eu achava que você via movimentos enquanto dormia!

Lourdes Lopez diz: Não, eu acho que fico muito cansada.

Puntismos diz: Depois de se aposentar de uma histórica carreira na dança, você embarcou em uma muito distinta carreira na administração executiva nas artes.

Lourdes Lopez: Ser bailarina parece exatamente como ser um atleta profissional. Como muitos dançarinos lidam com suas vidas após a dança profissional?

Eu não entendi o que você quis dizer. Como ficamos em forma ou emocionalmente?

Puntismos diz: Profissionalmente. O que muitos dançarinos fazem quando param de dançar? Dão aulas? Administram, como você fez? Eu pergunto porque “temo” que não haja tantas opções para eles assim…

Lourdes Lopez diz: As oportunidades estão aí. O dançarino precisa procurar por elas e se comprometer com elas. Eu sinto realmente que os dançarinos têm todos os recursos de que precisam para serem bem-sucedidos em qualquer coisa. Eles têm disciplina, foco, são orientados a objetivos, comprometidos. E para ser um dançarino, um bom dançarino, você precisa ser esperto. O que eles nem sempre são no que diz respeito à educação.

É importante que um dançarino faça o possível para obter educação, especialmente enquanto estão dançando. É possível. Se não, então é uma questão de tentar descobrir o que lhe motiva, o que lhe faz sentir da mesma forma que você se sentia em relação à dança. É difícil, mas está lá fora.

Eu realmente acredito que todos os artistas têm um senso muito claro do que os faz felizes e completos. Talvez não seja exatamente o que eles fazia antes, mas eles têm uma compreensão daquele sentimento. Uma vez que o dançarino encontra isso, ele tem todas as ferramentas no lugar para tomar posse e fazê-las suas. Algumas coisas que alguns dançarinos estão fazendo são incríveis.

Puntismos diz: Muito bem articulado...

Recentemente, você se juntou ao Morphoses, de Christopher Wheeldon – a primeira nova companhia de balé criada nos últimos 30 anos. Como o Chris conseguiu te convencer a embarcar nessa jornada com ele? Eu acho que você é o Lincoln Kirstein dele?!?

Lourdes Lopez diz: Wow, Lincoln Kirstein! Esse um chapéu grande demais para mim!

Puntismos diz: De inspiração, talvez.

Lourdes Lopez diz: Eu conheci Chris quando ele entrou para o NYCB. Nos tornamos amigos e ele sempre estava interessado em coreografia. Em 1996, ele fez uma pequena peça para a School of American Ballet nos estúdios e ele me pediu para ver.

Ali estava eu em um estúdio, sem trajes, um piano e cerca de oito dançarinos da turma de graduação da SAB. O que eu vi em seguida foi um dos mais lindos pequenos balés. Chris tinha conseguido criar um teatro, uma experiência, um mundo e ele me arrastou para dentro, da mesma forma que os balés de Balanchine e Robbins.

Eu me lembro de ter ligado para o meu noivo na época e dito: “George, eu acho que acabo de testemunhar o próximo grande coreógrafo do mundo!”. Depois disso, sempre conversaríamos.

Chris e eu compartilhamos muito as mesmas idéias sobre balé, dançarinos, o que é bom e o que está faltando, da forma à estética. Ele frequentemente falaria sobre ajudar os dançarinos e eu respondia: “É como ser pai e mãe. Você precisa estar por perto”. Se você quer ajudar e influenciar um dançarino, não pode ficar longe.

Naquela época, Chris tinha parado de dançar e estava coreografando em todo o mundo. Então, em setembro, ele me procurou com essa idéia. É uma tremenda quantidade de trabalho e um grande risco! Mas ele vale a pena e a forma de arte também. Se não der certo, bem, nós demos 200%, demos o nosso melhor.

Puntismos diz: O que o Morphoses quer conquistar que o Chris não conseguiu conquistar no NYCB? Você vai conseguir ser tão revolucionária quanto Balanchine era no NYCB? Há novos direcionamentos a trabalhar?

Lourdes Lopez diz: O Morphoses e o NYCB são animais completamente diferentes. Um é uma grande instituição de dança, muito bem estabelecida em seu estilo, foco e abordagem à forma de arte. O NYCB fez inúmeras contribuições à dança e continuará fazendo. O Morphoses espera tomar outra direção. Uma de colaboração entre seus artistas, incluindo os dançarinos.

O Chris realmente acredita que a união entre os artistas é algo muito excitante e esse excitamento alimenta uma nova energia e visão. Todo mundo está se fundindo ultimamente. É um espírito que eu sinto, está chegando. Eu realmente sinto esse senso de comunidade e pertencimento está de volta e é importante a esta geração.

Além disso, a audiência. A dança está perdendo sua audiência. A geração mais nova não se interessa, ou tem pouco interesse, na dança como parte vital de sua vida cultural. Isso porque essa geração não pode se relacionar com ela. Eu acho que as pessoas pensam que elas precisam saber algo sobre arte para apreciá-la. Bem, elas não precisam!

Entretanto, a geração mais jovem realmente tem uma percepção errada da forma de arte. É demais, é sexy, divertida e hipe. Pelo menos, a coreografia de Chris é assim. Ele um deles, da geração deles. Não é que, diferentemente de Balanchine e Robbins, que decidiram que os balés eram ultrapassados e que o neo-clássico e o minimalista eram “in”.

Menos é mais um tipo de filosofia, essenciais nús, retorno à essência da forma de arte. Eles acreditavam nisso e nós temos o Agon, o Four Temperaments e Dances at a Gathering. Bem, Chris acredita que a dança e seus artistas podem ter uma conexão com uma audiência mais jovem.

Puntismos diz: Com certeza, isso é verdadeiro e parece que o timing é correto para introduzir a dança a uma nova geração. Se não, há o risco de o interesse por ela morrer com a velha geração.

Christopher Wheeldon é amplamente reconhecido como o principal coreógrafo americano em atividade atualmente. Fale um pouco sobre sua arte, visão, luz.

Lourdes Lopez diz: Sua arte é a dança e os dançarinos. No final, aqueles são indivíduos que atravessam sua visão. Eles têm carreiras curtas e não são necessariamente bem-sucedidos financeiramente (especialmente quando comparados aos atletas), mas eles dão suas vidas inteiras à forma de arte.

Balanchine costumava dizer que os dançarinos eram um presente de Deus. Cada um era um presente. Chris acredita nisso e sabe disso. Sua visão é de colaboração entre os artistas e as muitas disciplinas. Assim, cada um pega um pouco do outro e cada um dá um pouco para o outro e para o dançarino.

Sua luz é sua crença de que a dança, a dança clássica, o vocabulário da dança clássica, são bonitos. Para aqueles de nós que ainda acreditam que o sapato de ponta é algo belo, Chris é nosso presente!

Puntismos diz: Isso é muito generoso.

Em, digamos, 2012... cinco anos a partir de agora, você espera ver a Morphoses aonde? Ela será estritamente uma companhia itinerante ou você se vê ancorada em Nova York ou alguma outra cidade?

Lourdes Lopez diz: Nova York será nossa casa principal, mas a Morphoses vai ser uma companhia itinerante. A menos que alguém construa um teatro para que possamos usar durante o ano inteiro! Temos de pensar grande! Em 2012, nosso sonho é ter 20 dançarinos em tempo integral, com salário e benefícios.

Puntismos diz: Eu acredito que você e Chris vão fazer isso acontecer.

Lourdes, você foi muito meiga em compartilhar seu tempo com Puntismos. Uma última pergunta: onde os membros de Puntismos podem ler sobre a Morphoses e se manter atualizado com as novidades da companhia e suas apresentações?

Lourdes Lopez diz: Atualmente, nosso site está em construção (www.morphoses.org). Esperamos que fique pronto até fevereiro. Todas as informações estarão lá. Será bem interativo, com blogs dos dançarinos e até ensaios filmados!

Nossa próxima apresentação será uma performance em estúdio no dia 6 de fevereiro. Daí, começamos de novo, oficialmente, em julho. Muito obrigada pela entrevista.

Puntismos diz: Obrigado, Lourdes. Muito obrigado mesmo pelo seu tempo.
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